Mais
do que
Casas

UFP

Universidade Fernando Pessoa

O Mestrado Integrado em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Fernando Pessoa (MIA-UFP) participa na iniciativa Mais do que casas com uma reflexão sobre a Habitação para os sem-abrigo.
O número de pessoas que habitam o espaço público, ou que se apropriam de espaços privados abandonados/desocupados, vivendo em condições de grande precaridade, tem vindo a aumentar de modo muito significativo e rápido. As razões por que tal acontece são variadas e os tempos de duração dessa vida na rua são também muito diferentes, como igualmente os modos de os próprios encararem essa sua condição. Adicionalmente, pesa sobre os sem-abrigo o estigma e a incompreensão que resultam da (des)informação sustentada em pré-conceitos e no desconhecimento sobre a diversidade de realidades e experiências englobadas e equivalidas sob essa designação genérica. A complexidade envolvida é por isso grande e dela participa inescapavelmente a disciplina da arquitectura. Se construir abrigo é a tarefa matricial da arquitectura, protegendo-nos do mundo e tornando o mundo nosso, a situação de sem-abrigo desafia directamente a nossa disciplina a partir de uma hipótese radical: um mundo, uma vida, sem arquitectura.
Durante o ano lectivo de 2023|2024 os alunos dos 4.º e 5.º anos do MIA-UFP estudarão, propondo, abrigo para os sem-abrigo, à escala do edifício e da cidade. Não se pretende a solução habitacional ideal; o intuito é privilegiadamente o de provocar um pensamento transdisciplinar informado e sustentado sobre o tema.
Articulam-se, portanto, um conjunto de disciplinas integrantes do curso de Arquitectura e Urbanismo (e.g. Projeto de Equipamentos e Infra-Estruturas Especiais; Projeto de Intervenção Urbanística; Arquitectura Paisagística; Seminário; Antropologia do Espaço), propondo-se trabalhos de compilação de informação, análise, reflexão, investigação e projecto em torno do tema, cujos resultados em certos momentos se querem partilhados entre os estudantes envolvidos. Contribuindo directamente para essa reflexão, estudantes de outros cursos da UFP (Ciências da Comunicação, Criminologia) se juntam (em algumas disciplinas desenvolvendo trabalho conjunto com o curso de Arquitectura) como desejavelmente o farão oportunamente estudantes e colegas de outras universidades.

Como suporte real da prática de projecto, os alunos trabalharão em Gondomar, com o apoio da Câmara Municipal, e concretamente com a Cruz Vermelha de Gondomar/Valongo com a qual foi estabelecida colaboração. A formulação projetual de um Centro de Acolhimento Temporário (CAT), nos termos de uma candidatura a financiamento, terá a participação/envolvimento directo dos estudantes do 5.º ano, sendo que este CAT constituirá também o ponto central do projecto urbano a desenvolver no 4.º ano. Outras disciplinas o tomarão como referência nos trabalhos concretos que desenvolverão no âmbito próprio de cada unidade curricular participante.

Aproveitando ainda a oportunidade deste projecto em contexto real, pretende-se estabelecer 'pontes' com dois referentes maiores da Revolução de 1974: no âmbito disciplinar específico, o processo SAAL, reinterpretando-se o sentido de participação no projecto de uma população sem voz (no caso, os sem-abrigo); no âmbito abrangente, o sentido de 'liberdade' que de algum modo se desafia no projecto de habitação em causa: o projecto de casa para quem só pode viver nela temporariamente, para quem talvez não queira casa, ou não saiba viver na casa que (normalmente) se oferece.
O contributo da UFP para o alargamento do conhecimento fundamentado sobre os sem-abrigo, interna e externamente à academia, é outro dos objectivos maiores da escolha do tema de projecto e por isso se proporão ações/exercícios informativos dirigidos aos estudantes, mas abertos à comunidade académica e além-dela.

Propostas de Trabalho

CIDADE-ABRIGO

Sara Sucena
João Ferreira

Como é facilmente constatável nas ruas da nossa cidade, o número de pessoas a viver na rua tem aumentado muito significativamente. Esta leitura, empírica e certamente casuística, é confirmada por diversos indicadores oficiais. O aumento do número de pessoas a viver na rua terá causas bastante diversas: dificuldades económicas, dificuldade no acesso à habitação e seu arrendamento, aumento de fluxos migratórios, deficiente apoio a pessoas marginalizadas nas vertentes social e de saúde. Mas independentemente dessas razões, que será importante conhecer e compreender, é necessário pensar e desenhar possíveis caminhos de apoio para dar abrigo a quem manifestamente não o tem. Durante este semestre e no âmbito desta Unidade Curricular o desafio será o de 'desenhar um abrigo para sem-abrigo'. Este projecto será desenvolvido em articulação directa com a Cruz Vermelha Portuguesa de Gondomar/Valongo (CVP-GV). A articulação com a CVP-GV permitirá aos alunos uma aproximação aos futuros utentes através de uma entidade que desenvolve actividade neste domínio e ainda trabalhar num quadro de referências muito aproximada às de uma circunstância de projecto efectiva. No desenvolvimento deste trabalho é aspecto primordial a investigação e compreensão das necessidades desta população, tendo em atenção a sua heterogeneidade e complexidades específicas. Deste modo, o trabalho de projecto será desenvolvido em articulação directa com outros campos disciplinares e Unidades Curriculares, nomeadamente: Projecto de Intervenção Urbanística, Seminário II, Antropologia do Espaço, Atelier de Publicidade e Marketing. Deverá ser uma oportunidade para reflectirmos e questionarmos o que é e o que pode ser habitar e construir cidade nas próximas décadas a partir da situação de sem-abrigo, circunstância desafiadora da definição do que é arquitectura e espaço público.