7 Visões
- Recuperar terreno
- Autor
- Aitor Varea Oro
Cada comemoração do 25 de Abril coloca os holofotes no processo SAAL, que serve de mote para esta iniciativa e que no próximo ano faz cinco décadas. A excecionalidade daquele momento e a qualidade das arquiteturas produzidas imprimem ao ato de projetar para os mais vulneráveis uma épica irresistível para os arquitetos, mas incompatível com o contexto atual. A necessidade de resolver as carências habitacionais, urgentes e graves para muitos, exigem que a resposta se insira no quotidiano. Não é aceitável aguardar as condições ideias para o exercício da arquitetura nem nos cingirmos a reclamá-las.
Trata-se de avançar, sem demora, na criação das mesmas, em benefício de quem foi ficando para trás.
Estudantes de arquitetura, docentes e instituições de ensino têm a possibilidade real de mudar este cenário, o que exige perceber que a arquitetura é produzida em parceria com a sociedade em que vivemos, e que o projeto começa muito antes da definição do caderno de encargos. O afastamento da nossa classe dos terrenos onde tudo se decide, onde a exclusão e a falta de qualidade se concretizam mesmo antes de qualquer linha vir a ser desenhada, tem de ser evitada a todo o custo, e isto coloca desafios à prática da profissão. Para perceber a partir de onde podemos reconstruir esta relação interrompida entre quem tem o problema e quem tem a solução, talvez seja útil pensar neste desafio como uma escalada com patamares sucessivos.
1. Conheçam bem o público para quem trabalham. O meio habitado e construído é o palco das histórias de vida da nossa geração. Investimos muito tempo e energia a falar no papel social do arquiteto, mas: sabemos mesmo ao serviço de quê e de quem estamos a disponibilizar as nossas competências?
2. Deixem de ser invisíveis para aqueles que partilham as vossas preocupações. Os assistentes sociais das juntas de freguesia, as entidades que integram as redes sociais concelhias ou os profissionais de saúde dos territórios degradados, entre outros, têm em vós parceiros que desconhecem.
3. Dominem as ferramentas que viabilizam a construção justa e rigorosa dos espaços. Desde as Áreas de Reabilitação Urbana até às Estratégias Locais de Habitação, existe todo um conjunto de oportunidades para se munirem dos recursos necessários para que as arquiteturas saiam do papel.
4. Utilizem as vossas competências para espacializar, quantificar e programar os anseios de todos os intervenientes necessários para materializar a mudança. Criar uma imagem de futuro, retirar as incertezas e aumentar confiança no processo é a melhor forma de fazer com que os envolvidos se entendam e cheguem a acordos.
5. Cresçam profissionalmente tendo aliados improváveis que defendam convosco, e por vós, com argumentos que não conseguem imaginar e em espaços onde não têm acesso, esses projetos que, por pertinentes, desejados e exequíveis, nunca mais podem viver encerrados entre os muros das faculdades.
A melhor receita para a ausência da arquitetura nos territórios da pobreza é habitar o espaço prévio à pormenorização do projeto: o da criação das condições para a sua existência. Estas não se limitam à quantificação das carências habitacionais e à alocação de financiamento para as resolver. Precisamos de uma correta formulação espacial dos problemas a resolver, sob pena de respondermos, no estirador, a perguntas mal feitas no caderno de encargos. Praticar a nossa profissão em áreas das quais nos retiramos é uma forma de recuperar terreno, para que os arquitetos possam participar mais e melhor na construção de uma sociedade mais justa. A cada aniversário do SAAL podemos reduzir a distância que nos separa do 25 de Abril. E este aumento da democracia na prática da arquitetura depende essencialmente de nós.
- “Precisamos de reactivar a energia renovável da Imaginação”*
- Autor
- Inês Lobo
* BERARDI Franco com SALVO Philip
Vivemos hoje um momento diferente. Um momento que implica uma Nova Cultura da Cidade, inseparável da construção do futuro como Trabalho Coletivo, também inseparável, por consequência, do próprio Desenho da Cidade. Cultura e Desenho que rejeitam a compartimentação funcional e social, pois acolhem e propõem uma Cidade de Mistura e Sobreposição, complexa e mestiça em todos os seus aspetos.
É o momento de um olhar novo. Um olhar que, da Habitação até à Cidade, conjugue numa mesma energia todos os espaços urbanos, o Espaço das Continuidades Ecológicas, o Espaço das Infraestruturas, o Espaço das Linhas de Água e Sistemas de Drenagem, o Espaço Público, o Espaço da Mobilidade Lenta e o próprio Espaço Edificado. Todos como diferentes coisas de uma mesma coisa, onde os espaços verdes encontram ampla cumplicidade e ressonância. Importa, por isso, uma nova disciplina, a Botânica Urbana, que garanta a diversidade e o equilíbrio. Mas importa também onde não plantar, pois a beleza das cidades reside por igual na sua mineralização.
Esperaremos então pelos dias de chuva com a mesma intensidade com que desejamos os de sol, para ver a cidade transformar-se diante dos nossos olhos num teatro em que a natureza se põe em palco
É o momento de estratégias com diferentes escalas e tempos. Na grande escala encontrar-se-ão as soluções para as cidades articuladas em âmbito regional, cidades de enorme diversidade, cidades que equilibram os seus sistemas naturais e urbanos para garantir resiliência, cidades que aceitam o desígnio de ser organismo vivo em constante transformação.
É o momento de reencontrar o perfil das nossas cidades, aceitando que já não há modelos de cidade, e de produzir estratégias de tempo curto que produzam respostas em tempo de urgência.
As cidades estabeleceram o seu desenho urbano através de processos raras vezes coordenados por uma ideia global de crescimento, mais decorrentes de oportunidades de desenvolvimento em ocasiões precisas, sobretudo ligadas a acontecimentos particulares da vida económica, social e política, ou em resposta a necessidades de urgente reconstrução em face de catástrofes naturais. Daqui resultou a grande diversidade e complexidade dos seus sistemas urbanos, ou Partes de Cidade, por natureza inibidores da imposição de regras únicas para a definição do desenho urbano, do espaço público e da arquitetura do edificado. Contudo, estas mesmas diversidade e complexidade resultam na grande riqueza dos seus distintos modelos urbanos, associados a comunidades com relações de forte intensidade com as suas Partes de Cidade.
Estas Partes de Cidade configuram-se em espaços com modelos urbanos razoavelmente homogéneos, mas que, por complementaridade e reciprocidade, geram também Espaços Intersticiais ou Residuais relativamente indefinidos, muitas vezes com protagonismo de infraestruturas ainda que nem sempre devidamente articuladas com o espaço urbano. Ora, estes Espaços Intersticiais ou Residuais constituem hoje o grande território de transformação urbana, a grande reserva de espaço para as cidades do futuro.
Aqui poderemos encontrar muitas das respostas para alguns dos principais desafios da cidade, da habitação para o maior número até a novas tipologias de espaço público que ajustem a cidade do automóvel à escala humana. São estas as áreas que, pela sua natureza e qualidades, mas também pela urgência da sua transformação, poderão ser a resposta a mais e melhor cidade, ao direito à cidade, à cidade para todos.
“O maior desígnio do homem, não é ter nascido para morrer, é ter nascido para continuar.”
Paulo Mendes da Rocha
A ideia de que nascemos para continuar assume especial pertinência quando pensamos o que deve ser a transformação de uma cidade. E a cidade, em cada momento, é o desejo de um lugar perfeito para a vida da sua comunidade. Esta condição não deixa dúvidas sobre a ideia de continuar. É perpetuar o tempo, é dar continuidade ao tempo precedente no tempo presente e futuro.
Apelamos a arquitetos de ação, que há muito perderam a capacidade de síntese entre os diferentes elementos que compõem o território. Um novo grupo de arquitetos deve erguer-se contra uma cultura em declínio que promove a produção de resíduos de forma acrítica. A utilização dos resíduos deve ser o ponto de partida para a regeneração do tecido urbano, com a consciência de que a reutilização diz respeito a uma escolha, e que a construção, reutilização e demolição são atos complementares de projeto que devem ser operados com coragem e responsabilidade: a reutilização nem sempre é a solução, a demolição nem sempre é necessária.
A criação de novo valor começa com uma escolha.
- Ecúmena: o nosso campo de batalha
- Autor
- Maria Manuel Oliveira
1.
Dizer, hoje, que nos movemos na incerteza, é uma afirmação redundante: sabemo-lo, seguramente, desde as últimas décadas do século passado. Mas não imaginávamos a intensidade com que se instalaria, a velocidade com que as nossas práticas e convicções se confrontariam com a sua eventual obsolescência. Entre razões metodológicas que acreditamos perenes e a espuma dos dias, estamos no olho do furacão.
Desenhar a partir de um limiar instável e permeado por inquietações éticas, é a nossa condição. Refletimos sobre o mundo e projetamo-lo a partir desse lugar, assente – continuamos a acreditar – na convicção de que a arquitetura é [quer ser] um laboratório para construção do bem comum, comprometido com a já longa busca da felicidade dos povos.
Em tempos de tecnocultura digital, vemos exponenciadas questões básicas diretamente relacionadas com as matérias da nossa atividade disciplinar – como o direito, para todos, à habitação, à cidade e a um ambiente qualificado – que trágica e insistentemente se mantêm na categoria dos desejos/desígnios incumpridos.
2.
Respondendo à chamada das luzes da cidade, a muito rápida e progressiva urbanização a que assistimos – vertigem expansionista que continua a mostrar-se pujante – não tem conduzido nem ao provimento de habitação para todos, nem a uma cidade mais acessível a todos, nem à definição de políticas ambientais que melhorem, efetivamente, as condições da vida quotidiana.
Numa aceleração que se vem mostrando com efeitos perversos a múltiplos níveis, esta trajetória justificou um extrativismo sem limites e transformou o solo num mero produto financeiro. Nesta abstratização diluiu-se a consciência da sua importância na forma como concebemos e desenhamos. E na ausência de interação entre o homem e o chão que habita, este perdeu a sua condição de entidade fundadora.
Os paradoxos acentuam-se e repercutem-se, com violência, na grande parte da humanidade que vive em situação de vulnerabilidade e nos seus ecossistemas sociais, materiais e espaciais. Defendendo princípios basilares do exercício disciplinar – fará sentido, talvez, recentrar a essencialidade da tríade vitruviana? – precisamos de mais e melhor arquitetura, atenta a renovados e urgentes compromissos coletivos.
3.
A severa crise climática e socioambiental que vivemos, e que se reflete quer na metrópole vertical quer na horizontal, obriga a um exigente (re)posicionamento da nossa prática habitual.
A impermeabilização do solo, não apenas agrícola e florestal, mas também urbano (agora, numa degradação frequentemente mascarada por simulacros de vegetalização), acompanhada pela corrente abundância de destruição do edificado, coloca-nos perante um incomportável consumo de recursos que é essencial reverter.
Não mais concetualizar o chão em que nos movemos como mera superfície, encontrar relações de equidade entre o que se extrai e o que se devolve, entre o que se destrói e o que se transforma, revela-se um suporte absolutamente pertinente à nossa reflexão.
O reconhecimento do solo como um organismo vivo e poroso, a importância não apenas de o respeitar e preservar, mas de aumentar a sua quantidade e amplificar a sua qualidade na construção nova e no tecido já edificado, contém os alicerces para uma ação arquitetónica e urbanística alternativa.
4.
Cuidar, manter, construir estritamente e apenas o indispensável, não demolir, reparar, reaproveitar, incluir a espessura do solo no ciclo de trocas que qualquer intervenção sempre pressupõe... O conceito de património torna-se, assim, objeto de um outro olhar: a ele se associa uma nova perspetiva, que busca as qualidades do ordinário e do comum, defendendo uma estratégia holística de manutenção e reaproveitamento que procura reduzir drasticamente o desperdício e a predação.
Que realinhamentos concetuais, na maneira como projetamos e construímos, esta abordagem nos coloca a nós, arquitetos? São, ainda, mais as perguntas que as respostas e precisamos de as construir em simultâneo, profundamente cruzadas que estão. A arquitetura é um laboratório do futuro.
Mais do que nunca são necessários arquitetos, que em interação com outras áreas do saber estimulem uma ação criativa e responsável, que incorpore saberes e dúvidas recentes como dados do problema, no pressuposto que estética e ética são indissociáveis.
Sem nostalgia e sem fetichismos, antigos ou recentes, precisamos de acreditar na inteligência disciplinar, enfrentar os desconhecimentos com energia positiva, nessa busca metabolizando as complexidades e hierarquias que contemporaneamente informam a decisão projetual.
E disponíveis às diferenças e às justaposições, nas zonas iluminadas e nas sombras estudaremos e criaremos, fazendo reverberar, pelo pensamento crítico e pelo exercício do desenho, novos ecos e ressonâncias.
- Mais do que Casas, Simplesmente Casas, Casas Simples
- Autor
- Nuno Brandão Costa
O arquiteto é o único ator profissional, técnica e socialmente habilitado, a desenhar casas, sejam estas moradias unifamiliares privadas ou edifícios de habitação coletiva privada e/ou publica. Por consequência, é aquele que define a morfologia urbana, dado o impacto das edificações habitacionais, na definição genérica do tecido urbano (Rossi) e do espaço público.
O momento no nosso País (Portugal) é particularmente tenso, dada a extrema falta de oferta de habitação acessível à generalidade da população, nomeadamente nos centros urbanos e para as classes socialmente mais desfavorecidas ou mesmo para as extensões médias da população. O contexto político-económico europeu ocidental (pós-pandémico) permitiu o acesso a um considerável financiamento para a constituição de uma oferta de grande escala, de múltiplos concursos públicos para a elaboração de projetos de arquitetura para soluções de programas de habitação coletiva pública, aos quais todos os arquitetos, sem exceção, tem pleno acesso e possibilidade de participação, sem qualquer tipo de obstáculo.
Paradoxalmente, os arquitetos deparam-se perante uma encruzilhada, em que de um lado, o encomendador, no momento de avaliação do projeto, se revela conservador e convencional (no pior sentido, no sentido do prévio estipulado), não dando qualquer tipo de folga para a experiência da proposta tipológica, a possibilidade crítica do programa habitacional ou o ensaio construtivo (embora os cadernos de encargos, sugiram enfaticamente, a atenção às questões da sustentabilidade, que na prática se tornam irrelevantes nas soluções selecionadas, o que revela a superficialidade com que o tema é retoricamente elaborado). Acresce a entropia dos infindáveis e rigorosíssimos regulamentos que se contradizem e introduzem uma despesa superlativa na construção, já esmagada pelo espartilho do custo máximo por m2 (que, por exemplo, anula a possibilidade da utilização de eco materiais, que apresentam no mercado um preço exacerbadamente superior aos materiais correntes, contrariando os objetivos enunciados). Acresce a ideia, do preconceito generalizado na população alvo, sobre o modo de habitar e a apropriação espacial, que motiva no dono de obra, uma apreensão imediata, perante a solução desviada da norma e do comum. Mesmo quando esse desvio se apresenta subtil ou apenas insinuado.
Por outro lado, o contexto académico e da publicação dita científica ou crítica, cristaliza entediado e atolado no vazio da problematização, na permanente reinscrição-revisão histórica (ainda muito capturada, pela defunta pós-modernidade), atraiçoado pelo relativismo do(s) crivo(s) ideológico(s), o imediatismo e a superficialidade da consecutiva adesão à contemporaneidade e por consequência a constante tentativa de atualização temática em função dos temas emergentes (que emergem em permanência, tornando-se de imediato obsoletos) e a obsessão pela transdisciplinaridade, que chega a níveis de paranoia (vejam-se alguns títulos de teses de doutoramento e artigos científicos). Um ambiente muito povoado por arquitetos que desprezam arquitetos e arquitetura (uma originalidade da nossa classe). Tal como no contexto anteriormente descrito, da encomenda real, a ARQUITETURA e sobretudo o seu núcleo – o exercício do PROJECTO – neste contexto, também se esvai. Este mundo já não é para o Ludwig Hilberseimer e o Mies Van der Rohe, nem para o Le Corbusier, nem para o casal Smithson, muito menos para o Filippo Brunelleschi ou o Andrea Palladio.
Os antecedentes não são os mais convenientes. O pós-moderno ignorou o exercício tipológico (um ato demasiado moderno, racional e espacial, portanto frio e assético...) e ofereceu uma panóplia epidérmica, estética-popular, para a especulação imobiliária vender a cidade colorida e/ou desconstruída e mesmo o campo, se preciso fosse. Entretanto, as cores desbotaram e os vidros espelhados embaciaram, revelando uma cidade sinistra, envelhecida sem dignidade e sem casas de verdade. Eventualmente a solução também não será a das suas heranças, do formalismo digital ao historicismo tectónicopitoresco ou as Hiper reações do formalismo minimalista, que para aparentar a simplicidade, se apetrecha de sofisticados detalhes, de espessuras sucessivas. Tudo respeitável e proporcionado, mas quiçá formal e ecologicamente, pouco sustentável.
Na recuperação (termo muito duvidoso) vigora, e é imposto, o gracioso da aparência de uma reconstrução da imagem da história (uma história inexistente) mesmo que tudo seja demolido para voltar a ser feito, ou se coloque uma porta de garagem onde antes havia uma montra de uma mercearia. O portal de pedra terá que “permanecer”, agora apenas com 2 cm de espessura, a enquadrar o portão basculante de PVC e a cobertura é obviamente em telha. Uma sucessão teórica de aberrações, impostas implacavelmente aos arquitetos, por especialistas em património (?).
O projeto de arquitetura, e a sua oportunidade experimental, parece uma possibilidade praticamente clandestina. Nada de novo: há meio século, no Porto, os arquitetos do processo SAAL, alheios às vanguardas do mainstream e à semiótica pedagógica, fizeram uma invenção tipológica para concretizar a revolução. O Siza desenhou uma casa com uma escada a subir ao contrário e o Pedro Ramalho desenhou um duplex apenas com uma só parede, ambos a olhar para os “Siedlungen” sociais-democratas da República de Weimar. Sempre foi do centro da Europa que emergiram as referências tipológicas mais entusiasmantes, o clima mais liberal e a cultura frugal e rigorosa, protestante e calvinista, parecem mais elásticos. Entre o velho Berliner-Zimmer de Friedrishain e as tipologias ensaísticas de Michael Alder em Basileia (Das Haus als Typ), há todo um mundo fascinante e interminável, de hipóteses de organização do espaço de habitar.
Quanto á sustentabilidade, uma inevitabilidade, que para os grandes arquitetos sempre foi uma evidência, antes de ser pomposamente enunciada:
Há mais de três décadas, Jacques Herzog e Pierre de Meuron construíram uma casa em Tavole, com uma planta maravilhosa, desenhando o espaço de habitar a partir de um único muro estrutural cruciforme, erguido in situ, preenchido com pedra local, apanhada no lugar.
Pouco tempo depois, montaram um edifício industrial para armazenar rebuçados de plantas aromáticas, edificado com uma estrutura integralmente em madeira, acabada a painéis pré-fabricados de assemblagem reciclada, produzindo o efeito estonteante e a monumentalidade de um palácio Renascentista.
Na mesma época, Eduardo Souto de Moura ergueu um mercado, só com dois alinhamentos de pilares e uma laje, um muro em pedra da região, com o espaço todo naturalmente iluminado e ventilado.
Recuemos mais outras três décadas, ao tempo da construção do Upper Lawn Pavilion de Alison e Peter Smithson. Um sonho solar, uma obra-prima da experimentação doméstica, feita a partir das paredes existentes de uma construção que permaneceu (o Solar Pavilion é de facto uma reconstrução), acrescentada de uma modulação de carpintaria e vidro, duas colunas em madeira e espaço vazio:
Simplesmente uma casa. Uma casa simples.
- Respigar a Habitação do Passado como Ato de Resistência
- Autor
- Rui Jorge Garcia Ramos
- Gisela Lameira
- Tiago Lopes Dias
A urgência da habitação para o maior número, capaz de atender à adversidade e incerteza, de ser inclusiva e intergeracional, de traduzir processos culturais e de participação, como parte da resposta à crise societal contemporânea, mais do que propor novos modelos de habitação, exige o reconhecimento da permanência destes desafios ao longo da história. Neste sentido, a resposta aos problemas atuais, indiscutivelmente premente, ganha profundidade se elaborada na longue durée da experiência da construção de habitação no século XX, e na compreensão dos seus fundamentos e lógicas.
Nas primeiras décadas do século XX, o problema da habitação determinou a implementação de programas de construção em massa de Berlim a Frankfurt, de Viena a Amesterdão, promovendo o acesso à casa condigna e à cidade. Este processo impulsionou de igual modo a redefinição da habitação e das formas de habitar para alcançar uma resposta aos desafios do seu tempo, implementando visões ideológicas como a "habitação mínima" e a "cozinha de Frankfurt" como espaços ajustados para a vida moderna.
Simultaneamente, a investigação sobre o plan libre e os recursos, diretos e indiretos, de flexibilidade, polivalência, adaptação e reversibilidade, potenciou a experimentação contínua de "tipos adaptáveis". A possibilidade de organizar o espaço de forma independente dos constrangimentos estruturais, veiculada por novos materiais e técnicas construtivas, abre caminho a estratégias de composição e distribuição da casa que serão exploradas por diferentes arquitetos ao longo das gerações seguintes, na proposta de espaços domésticos inclusivos, resilientes, adaptados à variabilidade intrínseca ao habitar.
No pós-guerra, o principal foco de investigação foi dirigido para os recursos construtivos e materiais locais, e sobretudo humanos, isto é, as comunidades e a forma como habitam, como usam e se apropriam do espaço. Os "trinta anos gloriosos" possibilitaram aos estados democráticos ocidentais pôr em prática experiências fundamentais como o envolvimento dos cidadãos no processo de alojamento, através de consultas públicas, da averiguação prévia das suas necessidades, e até da participação direta através da autogestão (modelo cooperativo) ou da autoconstrução, experiências que alicerçaram o direito à habitação e o direito à cidade.
No difícil contexto da ditadura do Estado Novo, em Portugal, algumas destas questões começaram a ser abordadas por arquitetos que trabalhavam ao serviço de instituições como a Federação das Caixas de Previdência e o Laboratório Nacional de Engenharia Civil, o que lhes permitiu, com uma certa autonomia, ir estabelecendo bases de trabalho sólidas e equipas técnicas bem preparadas. Mas será apenas depois da revolução de 25 de abril de 1974, com o programa SAAL (Serviço de Apoio Ambulatório Local), que se poderá avançar rapidamente para formas alternativas de pensar e construir habitação.
O facto do SAAL constituir uma oposição aos modelos liberais que ditavam os sistemas convencionais de alojamento acabou por limitar a sua ação. De igual modo, o contexto internacional dos anos de 1980, pós crise petrolífera de 1973, veio alavancar a delapidação da política habitacional conduzida desde a fundação do FFH (Fundo Fomento Habitação, 1969), com a convicção de que a habitação social/económica era um encargo que não cabia ao Estado fazer, substituindo-a, única e ilusoriamente, pelos desígnios do mercado imobiliário e financeiro.
A discussão contemporânea do "problema da habitação" tem sido impulsionada em Portugal através de estratégias de carácter político, traduzidas em alterações legislativas como a promulgação da Nova Geração de Políticas Públicas de Habitação (2018), da Lei de Bases da Habitação (2019), e da recente aprovação pelo governo do pacote de medidas Mais Habitação (2023).
Esta discussão, além de política, é também eminentemente arquitetónica e, por conseguinte, deverá incorporar a vertente da atualização de tipos e modelos de habitação (numa lógica oposta à ideia de projeto-tipo), ultrapassando propostas cristalizadas. Esta banalização da habitação coletiva decorreu, em parte, de uma apropriação seletiva da utopia e das propostas do projeto do Movimento Moderno para a sociedade, deformando-as perante a complacência de todos e o interesse de alguns. Os resultados deste processo conformam, entre outros aspetos, soluções pouco resistentes a alterações dos modos de vida que possam refletir, por exemplo, situações de convívio intergeracional, atividades como o trabalho a partir de casa, ou questões gerais como a adaptação ao envelhecimento dos habitantes ou a adequação a critérios de eficiência energética.
Contudo, os resultados da recente realização de numerosos concursos destinados à criação de habitação para arrendamento acessível, de iniciativa municipal ou promovidos pelo Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU, I.P.) são preocupantes por apontarem um caminho inverso. Ao nível da elaboração dos programas de concurso, são induzidos sistemas de distribuição convencionais e limitadores da investigação tipológica referida. E também, ao nível da avaliação das propostas conduzida pelos júris, não se dão conta, dentro das regras concursais, de outras propostas que possam refletir as experiências de sucesso/insucesso de um século de habitação coletiva. Entre outros, estes aspetos desconsideram a diversidade dos modos de habitar e a transformação do espaço habitacional ao longo da vida, como necessária expressão de durabilidade da arquitetura e condição sine qua non de sustentabilidade.
Nesse sentido, em Portugal, a aceitação da multiplicidade das formas de habitar e da sua natural variação, em conjunto com aspetos como os movimentos demográficos, o envelhecimento da população e as alterações climáticas, questões indiscutíveis na atualidade, não podem permanecer ausentes da discussão disciplinar da Arquitetura, e particularmente no âmbito das práticas de desenho e dos mecanismos de análise do projeto arquitetónico. Estes constituem um contributo necessário e específico dos arquitetos face aos desafios atuais, numa resposta inclusiva, resiliente e diversificada a problemas intemporais como a acessibilidade, os requerimentos espaciais, a adaptação a circunstâncias e modos de vida ao longo do tempo, ou a necessidade de resposta a padrões de construção sustentável. Práticas e soluções presentes na Habitação do passado, que hoje interessa cuidadosamente respigar.
(Nota: O presente resumo foi elaborado com base num artigo onde os autores ampliam e detalham as temáticas apresentadas.)
- Ensino como ativismo (apontamentos para uma integração territorial)
- Autor
- Sílvia Benedito
A Presidente da Comissão Europeia Ursula von der Leyen, na ocasião da apresentação do European Green Deal – estratégia para alcançar a neutralidade carbónica até 2050 –, fez um apelo: que o crescimento económico e formas de produção/consumo se reconciliassem com o nosso planeta e com as pessoas. Nesta missão, von der Leyen sublinhou a necessidade de “não deixar ninguém para trás” 1. O que significa não deixar ninguém para trás no contexto do ensino da arquitetura/arquitetura paisagista? Como assegurar uma sequência pedagógica onde territórios e comunidades vulneráveis são integrados de uma forma inclusiva e transversal?
O último século tem testemunhado uma concentração exponencial de riqueza e de pessoas em cidades. A UN, por exemplo, declarou que em 2007 o número global da população urbana suplantou pela primeira vez o número global da população rural. Esta acumulação de pessoas implica a acumulação de capital e eventos, diversidade de culturas e inovação, residências e comércio, infraestruturas e investimentos, etc. Tal concentração representa igualmente maior acesso a emprego e oportunidades de trabalhos para as nossas profissões – arquitetos e arquitetos paisagistas. Enquanto o ensino destas profissões tem sido dominado por questões urbanas, o espaço rural e suas comunidades têm ficado para trás... O que significa então ensinar arquitetura e arquitetura paisagista focadas no território rural? Significa a aplicação dos mesmos escopos de trabalho quando focados em territórios de maior densidade populacional? Apesar de desafiantes, estas perguntas representam também a possibilidade de refletir no que as nossas profissões, e metodologias de ensino, poderão contribuir para estes territórios.
Como premissas relembremos duas circunstâncias: uma otimista, outra nem tanto. Na altura em que a Presidente von der Leyen lançou a sua diretiva integradora, em 2019, o mundo inteiro experienciava a primeira grande pandemia do século XXI, onde cidades de todo o mundo entrariam em “lock-down” e a distribuição global de produtos entraria em crise. O território rural, deixado para trás, tornou-se no potencial escape: longe de agrupamentos de pessoas, com preços de residências mais acessíveis, e espaços verdes que permitiriam recuperar o privilégio de respirar (sem máscaras). Em Inglaterra, por exemplo, o Guardian escrevia “Escape to the country: how Covid is driving an exodus from Britain’s cities”, reportando as inúmeras famílias que, usando a possibilidade de trabalhar online, trocaram as suas residências urbanas por novos locais no “campo”2. O território rural era agora o locus do êxodo urbano. Se por um lado o rural aparece neste contexto associado a um futuro mais descentralizado, decerto que a crescente degradação social e ecológica manifestada nos crescentes incêndios em Portugal, e noutras áreas de climas mediterrâneos, revela problemas endémicos de longas décadas resultantes também do êxodo – mas de sentido oposto.
Não deixar ninguém para trás no ensino da arquitetura e arquitetura paisagista pode amplificar o que de “bom” e de “mau” estas duas realidades contrastantes podem trazer para estes territórios rurais. Muitas das práticas de ensino de projeto poderão, por exemplo, (1) Reassociar os produtos gastronómicos com as paisagens que os produzem como forma de catalisar a produção local e o mosaico paisagístico; (2) Revalorizar práticas regenerativas para proteção dos recursos naturais, sobretudo água e biodiversidade; (3) Descentralizar ofertas de serviços de saúde, e correspondentes infraestruturas, em suporte das populações reformadas e eventuais desejos de voltarem à “terra” para uma maior qualidade de vida e valorização social; (4) Recapacitar as profissões que atuem em benefício da manutenção das paisagens e proteção do solo, tais como a pastorícia e a respetiva contribuição dos herbívoros na saúde dos ecossistemas; (5) Amplificar os potenciais estéticos do mundo rural – não de uma forma romântica ou naïf, mas de uma forma que permita à sociedade reconhecer a sua importância única no combate à presente crise climática.
1https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/speech_19_6749
2“Escape to the Country: How Covid Is Driving an Exodus from Britain's Cities.” The Guardian, Guardian News and Media, 26 Sept. 2020, https://www.theguardian.com/world/2020/sep/26/escape-country-covid-exodus-britain-cities-pandemic-urban-green-space.
- Mais do que casas – a voz das escolas. Acesso à habitação, migrações e configurações espaciais
- Autor
- Sílvia Leiria Viegas
Quando formulou a ideia de Direito à Cidade como direito superior, há mais de 50 anos, Lefebvre (1968) advogou que o espaço é produto do social e que a produção política do espaço urbano segue e reproduz lógicas de classe. A habitação infraestruturada configura dimensão relevante desse espaço produzido, com valor de mercado, para a qual o autor reclama estreita articulação com outras dimensões fundamentais: educação, trabalho, saúde, lazer, enfim, a vida em geral; existindo, também, múltiplos momentos singulares de participação e realização social, conformando diferentes materialidades.
Em Portugal, a grande crise habitacional que assinala os quase mesmos 50 anos de vida urbana em democracia invoca o olhar sobre esse desdobramento conceptual, por um lado, traduzido num contexto governativo estrutural e sistémico capitalista e, por outro, na experiência das pessoas na quotidianidade.
Do ponto de vista sócio-espacial, nas metrópoles de Lisboa e Porto, ampliam-se problemas de gentrificação, turistificação, captação do capital estrangeiro, resultando em processos de sobrelotação ou de exclusão e despejos. Ao nível nacional identificam-se questões de desenvolvimento e coesão territorial, com desequilíbrios e falta de recursos e oportunidades nas áreas urbanas de média-pequena dimensão e/ou rurais. No que toca às migrações, existem aproximadamente 700.000 estrangeiros residentes em Portugal, 7% do total nacional, fruto da tendência recente de crescimento que desacelerou na pandemia. A generalidade concentra-se em Lisboa (42%), Faro (15%), Setúbal (10%) e Porto (8%), com o interior a apresentar valores residuais1.
Nunca, à data, existiram tanto erário público e medidas apontadas para resolver o dito problema habitacional. À Nova Geração de Políticas de Habitação (2018), e seus programas específicos, passando pela subsequente Lei de Bases de Habitação (2019), entre outros instrumentos de execução local, seguiu-se a resposta Europeia ao quadro pandémico (PRR, 2021/2026). O pacote Mais Habitação (2023), de forte intervenção Estatal, visa regular o mercado habitacional em contexto bélico Russo-Ucraniano e forte instabilidade económico-social. Ao mesmo tempo, ampliam-se expressões e mobilizações de resistência contra dificuldades crescentes, desde a precursora Caravana pela Habitação (2017), de itinerário nacional, ao movimento por uma Vida Justa (2023), na Área Metropolitana de Lisboa.
São muitos e diversos os imigrantes que dão cara e voz às pessoas desfavorecidas a viver em situação de vulnerabilidade em Portugal: dos africanos (e afro-descendentes), oriundos dos países de língua portuguesa, a residir há longos anos nos bairros periféricos da capital, passando por refugiados de várias nacionalidades, alguns dispersos pelo território nacional, aos trabalhadores agrícolas invisibilizados em situação de negligência habitacional, entre muitos outros exemplos. Estas pessoas, algumas racializadas, de múltiplas origens, culturas e religiões, com diferentes tradições, costumes, hábitos e/ou modos de vida, e com necessidades, desejos e expetativas individuais e coletivas, integram a sociedade urbana em transformação, que o tal sistema governativo advoga como aberta e intercultural.
Estamos, pois, num momento singular onde as forças em presença parecem apontadas para a construção de alternativas que respondam à diversidade: as políticas dizem estar alinhadas, as pessoas e/ou comunidades querem participar, e existe um grande suporte financeiro para intervir. Como agarrar a oportunidade? Como transformar o monólogo ativista num diálogo com as entidades decisoras? Como pode esse diálogo informar as políticas para a transformação das práticas? Como expressar a pluralidade de usos nas novas configurações espaciais? Que respostas morfo-tipológicas e construtivas explorar? São algumas das questões a que urge à escola pensar e responder.
Lefebvre, H. ([1968] 2009). Le droit à la ville. Anthropos.
Propostas de Trabalho
Calendário
7 DEZEMBRO 2023 | Encontro Chamada de Ideias - Abril 2074 #1
6 MARÇO 2023 | Encontro Chamada de Ideias - Abril 2074 #2
2/3 MAIO 2023 | Encontro Chamada de Ideias - Abril 2074 #3
Encontros
Publicação
Chamada de Artigos
Starbursting
STARBURSTING é uma forma de brainstorming que procura gerar camadas de questionamento em vez de respostas unívocas e imediatas.
Como vamos habitar em 25 de Abril de 2074?
O Mais do que Casas STARBURSTING ambiciona desconstruir esta pergunta complexa através de um desdobramento temático que espelha a diversidade de problemas com que a Arquitetura, entendida num espectro disciplinar lato, se confronta contemporaneamente.
Nesse sentido, definem-se SETE temas e um conjunto inicial de perguntas, DUAS perguntas por tema, que decorrem do Manifesto “Mais do que casas”.
No evento proposto, a decorrer no dia 12 de fevereiro de 2025 nas instalações da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (FAUP), propõe-se uma discussão estruturada em CATORZE sessões paralelas. As propostas apresentadas resultam de uma chamada de artigos, com revisão cega por pares.
Cada sessão instiga a discussão sobre UMA pergunta concreta, espoletando novas perguntas: “como”, “quem”, “quando”, “o quê”, “onde”, “porquê”, serão as dúvidas ou inquietações que procuram adensar a discussão, refinar pontos de vista e perspetivas de abordagem, mais do cristalizar soluções específicas.
QUESTIONAMENTO
#1 – CIDADE E ESPAÇO PÚBLICO
Q1. Como criar modelos de cidade inclusiva através da habitação?
Q2. Que soluções habitacionais para a gestão dos vazios urbanos?
#2 – MODELOS DE HABITAÇÃO
Q3. Como desbloquear inovação nas tipologias de habitação?
Q4. Como renovar modelos de habitação em contextos regulamentares restritivos?
#3 – POLÍTICAS DE HABITAÇÃO
Q5. Que alternativas às atuais políticas de resposta à crise da habitação em Portugal?
Q6. O que se retira do programa SAAL na reposição do direito à cidade e à habitação?
#4 – REABILITAÇÃO
Q7. Como equilibrar as metas Net-Zero com a preservação do património habitacional?
Q8. Que abordagens inovadoras da reabilitação urbana promovem a habitação sustentável?
#5 – ENCOMENDA PÚBLICA
Q9. Qual o balanço crítico aos concursos de conceção promovidos recentemente pelo IRHU e pela SRU?
Q10. Em que medida os programas dos concursos públicos condicionam a proposta de modelos de habitação renovados?
#6 – HABITANTE
Q11. Como incluir os habitantes nas decisões que desenham o ambiente construído residencial?
Q12. Como facilitar o acesso dos habitantes às atuais medidas de apoio à habitação?
#7 – ADAPTAÇÃO ÀS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS
Q13. Como criar soluções responsivas e socialmente participadas de adaptação do espaço público às alterações climáticas?
Q14. Como otimizar o uso de sistemas passivos e condições locais em modelos de habitação sustentável?
Linhas Temáticas
#1 – CIDADE E ESPAÇO PÚBLICO
Q1. Como criar modelos de cidade inclusiva através da habitação?
Q2. Que soluções habitacionais para a gestão dos vazios urbanos?
Habitação acessível, mobilidade eficiente, espaços sociais e equipamentos em rede, acessibilidade a pessoas com necessidades diversas, entre outros, são fatores chave na construção de sociedades sustentáveis e inclusivas, tendo a Arquitetura um papel fundamental não só na remoção de barreiras arquitetónicas, mas fundamentalmente no planeamento de um ambiente construído integrado. A habitação é uma peça chave na estruturação de espaços urbanos inclusivos. De igual modo, na gestão da cidade e do espaço público, os vazios urbanos representam um desafio crítico e oportunidades para o desenvolvimento de soluções inovadoras de reutilização. Este desafio levanta a discussão sobre estratégias para conjugar o potencial destes espaços com as necessidades e aspirações das comunidades locais.
#2 – MODELOS DE HABITAÇÃO
Q3. Como desbloquear inovação nas tipologias de habitação?
Q4. Como renovar modelos de habitação em contextos regulamentares restritivos?
Considera-se que a abordagem ao projeto da habitação deve ser holística, interligando desafios societais como o envelhecimento da população, as alterações climáticas, a eficiência energética, os processos participativos, a adaptação a padrões de vida em mudança, o conforto e o bem estar, entre outros, colocando a Arquitetura e a investigação através do projeto numa posição central de debate. Nesse sentido, a discussão contemporânea do “problema da habitação”, além de política, é também eminentemente arquitetónica e, por conseguinte, deverá incorporar a vertente da atualização de tipos e modelos de habitação (numa lógica oposta à ideia de projeto-tipo), ultrapassando propostas cristalizadas. Os modelos (ainda) vigentes conformam, entre outros aspetos, soluções pouco resistentes a alterações dos modos de vida que possam refletir, por exemplo, situações de convívio intergeracional, atividades como o trabalho a partir de casa, ou questões gerais como a adaptação ao envelhecimento dos habitantes ou a adequação a critérios de eficiência energética. Contemporaneamente, urge instigar e desbloquear processos que promovam inovação e renovação das tipologias de habitação.
#3 – POLÍTICAS DE HABITAÇÃO
Q5. Que alternativas às atuais políticas de resposta à crise da habitação em Portugal?
Q6. O que se retira do programa SAAL na reposição do direito à cidade e à habitação?
A discussão contemporânea da crise habitacional tem sido impulsionada em Portugal através de estratégias de carácter político, traduzidas em alterações legislativas como a promulgação da Nova Geração de Políticas Públicas de Habitação (2018), da Lei de Bases da Habitação (2019), e da recente aprovação pelo governo do pacote de medidas Mais Habitação (2023). O debate em torno das políticas de habitação espoleta também uma reflexão sobre o legado do programa SAAL na luta pelo direito à cidade e à habitação, demonstrando o potencial dos processos inclusivos e participativos. A revisita ao programa SAAL surge então como mote para o desenho de estratégias futuras, questionando sobre a possível integração e adaptação dos seus princípios a estratégias contemporâneas. Ao refletir sobre as atuais políticas de habitação e sobre o SAAL lança-se assim o debate sobre alternativas inovadoras de resposta à crise da habitação em Portugal.
#4 – REABILITAÇÃO
Q7. Como equilibrar as metas Net-Zero com a preservação do património habitacional?
Q8. Que abordagens inovadoras da reabilitação urbana promovem a habitação sustentável?
A reabilitação é um meio reconhecido e eficaz para a redução do consumo global de energia. Este entendimento desencadeou a promoção de medidas como a “renovation wave” com o objetivo de melhorar a eficiência energética dos edifícios e os padrões de vida dos Europeus, reduzindo as emissões de carbono e combatendo os elevados índices de pobreza energética. Estas ações de reabilitação devem, no entanto, acautelar a preservação do património habitacional. O desafio de equilibrar as metas Net-zero levanta o debate sobre a definição de medidas de reabilitação energética que respeitem a integridade e a identidade histórica dos edifícios. Neste âmbito, abordagens inovadoras são essenciais para alcançar habitações energeticamente sustentáveis, o que inclui o uso de energias renováveis, materiais eco-friendly e a criação de comunidades autossuficientes. O debate sobre as práticas de intervenção correntes, na dupla vertente de preservação do património e de promoção de sustentabilidade na habitação, é essencial para a inovação no sector da construção.
#5 – ENCOMENDA PÚBLICA
Q9. Qual o balanço crítico aos concursos de conceção promovidos recentemente pelo IRHU e pela SRU?
Q10. Em que medida os programas dos concursos públicos condicionam a proposta de modelos de habitação renovados?
Segundo o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU), esta entidade lançou, desde 2020, 26 concursos de conceção, a que correspondem um total de 2.816 habitações, “Dando continuidade à estratégia estabelecida para dar resposta às famílias que não têm capacidade de aceder a uma habitação no mercado livre”. Estes concursos promovem a construção de habitações enquadradas no regime de Habitação a Custos Controlados (HCC) e destinam-se a arrendamento no âmbito do Programa de Arrendamento Acessível (PAA). Paralelamente, a Sociedade de Reabilitação Urbana (SRU) tem levado a cabo em Lisboa a construção de habitação a custos acessíveis promovida pelo Município, através de programas de habitação pública enquadrados na Nova Geração de Políticas Públicas de Habitação. Estas iniciativas avolumam concursos, projetos e obras já construídas, constituindo matéria relevante de reflexão sobre a resposta pública aos problemas da Habitação em Portugal.
#6 – HABITANTE
Q11. Como incluir os habitantes nas decisões que desenham o ambiente construído residencial?
Q12. Como facilitar o acesso dos habitantes às atuais medidas de apoio à habitação?
Face ao contexto atual em que a qualidade dos espaços e o acesso à habitação se destacam como questões preementes, torna-se imperativo assegurar a participação ativa dos habitantes na tomada de decisões. Os processos participativos e de cocriação surgem como estratégias fundamentais para o desenvolvimento de espaços mais inclusivos, e comunidades sustentáveis e resilientes. O envolvimento dos habitantes desde a fase inicial dos processos assegura, também, uma resposta mais assertiva e ajustada às suas necessidades e expectativas. Medidas como a criação de canais de comunicação acessíveis e a implementação de novos programas e políticas de gestão são igualmente essenciais para garantir um acesso democrático aos recursos e instrumentos de financiamento disponíveis. Promover o envolvimento ativo e eficaz dos habitantes nos processos e agilizar o acesso a medidas de apoio preconizadas pelos instrumentos em vigor são práticas urgentes, que importa contextualizar em Portugal.
#7 – ADAPTAÇÃO ÀS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS
Q13. Como criar soluções responsivas e socialmente participadas de adaptação do espaço público às alterações climáticas?
Q14. Como otimizar o uso de sistemas passivos e condições locais em modelos de habitação sustentável?
Num contexto em que as cidades são afetadas por múltiplas pressões (ambientais, sociais e económicas), aumenta a vulnerabilidade social à poluição atmosférica, ao ruído e às temperaturas extremas, fatores que interagem e têm maior impacto na saúde e na qualidade de vida da população com menos recursos económicos, pessoas mais velhas e crianças. A adaptação às alterações climáticas exige, de igual modo, o desenvolvimento de modelos de habitação sustentável. O uso de sistemas passivos como a orientação solar, a ventilação natural ou dispositivos de sombreamento, aliados à otimização das condições naturais do local como o clima (temperatura e ventos dominantes) e a geografia (topografia e vegetação) contribuem para a redução da dependência de meios mecânicos e para a mitigação dos impactos ambientais associados à construção. Criar soluções participadas e otimizadas, tanto no desenho do espaço público como na conceção dos edifícios de habitação são desafios prementes em Portugal, tendo como referência outros países em se verifica um lastro de experimentação com maior consolidação.
Chamada de Artigos
A chamada de propostas está aberta a toda a comunidade académica e científica. As propostas poderão resultar de investigações individuais ou coletivas, apelando-se à participação de alunos de mestrado integrado/mestrado/doutoramento e investigadores/docentes, particularmente os que estão integrados no Mais do que Casas por via institucional.
Na primeira fase, com data prolongada até 12.05.2024, convida-se à submissão de um resumo de 500 palavras, definindo:
→ A linha temática #1, #2, #3, #4, #5, #6, #7
→ A pergunta de discussão Q1., Q2., Q3., etc.
→ A visão proposta: como, quem, quando, onde, o quê, quando.
A submissão será realizada após registo, a partir da plataforma conftool:
→ Template do resumo (word)
Após a revisão cega dos resumos, os autores das propostas aprovadas serão convidados a elaborar um artigo ampliado com 1500 palavras, a submeter até dia 10.09.2024.
→ Template do artigo (word)
Todos os artigos aprovados serão publicados nas atas da conferência.
Após a realização do evento, serão selecionados 14 artigos, correspondentes a cada uma das perguntas de discussão. Os respetivos autores serão convidados a ampliar os seus artigos (3000/5000 palavras), tendo em vista a submissão em edição especial de revista científica.
REGRAS DE SUBMISSÃO e AVALIAÇÃO
Os autores poderão submeter apenas uma proposta.
Cada proposta terá um máximo de dois autores.
Todas as propostas serão sujeitas a processo de avaliação cega por parte da comissão científica do evento.
Os autores e respetiva instituição deverão ser apenas identificadas na plataforma conftool. No template fornecido deverá figurar apenas o ID de submissão atribuído pela plataforma.
As propostas aprovadas pressupõem apresentação obrigatória nas sessões paralelas do evento. A participação no evento é gratuita, mediante registo prévio.
→ Registo no evento (brevemente disponível)
Os resumos aprovados serão publicados em Livro de Resumos do evento, com ISBN, a disponibilizar online.
Os artigos ampliados serão publicados em Livro de Atas do evento, com ISBN, a disponibilizar online.
Apenas as propostas discutidas no evento serão publicadas em Livro de Resumos e/ou Livro de Atas.
Cronograma
Cronograma
Cronograma
Cronograma
Cronograma
Cronograma
Cronograma
Programa
Conferência Internacional | fevereiro 2025
Programa oportunamente disponível.
ORGANIZAÇÃO
PRESIDENTES
Gisela Lameira
Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto
Luciana Rocha
Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto
COMISSÃO ORGANIZADORA
Gisela Lameira
Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto
Luciana Rocha
Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto
Rui Jorge Garcia Ramos
Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto
Clara Pimenta do Vale
Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto
Filipa de Castro Guerreiro
Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto
COMISSÃO EXECUTIVA
João Pedro Xavier
Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto
Teresa Cálix
Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto
Clara Pimenta do Vale
Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto
Filipa de Castro Guerreiro
Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto
José Pedro Sousa
Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto
Teresa Novais
Curadora Programa Mais do que Casas
Luís Tavares Pereira
Curador Programa Mais do que Casas
COMISSÃO CIENTÍFICA
Ana Bordalo
Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes (ISMAT)
Ana Cláudia Monteiro
Universidade Lusófona do Porto (ULP)
Ana Rute Costa
Lancaster School of Architecture, Lancaster University, UK
Ana Silva Fernandes
Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (FAUP)
Ana Catarina Costa
Centro de Estudos Geográficos (CEG – ULisboa)
Ana Tostões
Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa (IST)
Ana Velosa
Departamento de Engenharia Civil. Universidade de Aveiro (UA)
Catarina Wall Gago
École Polytechnique Fédérale de Lausanne (EPFL)
Carlos Machado
Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (FAUP)
Carlos Maia
Escola de Arquitetura, Arte e Design da Universidade do Minho (EAAD)
Daniela Arnaut
Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa (IST)
David Leite Viana
Departamento de Arquitectura e Multimédia Gallaecia da Universidade Portucalense (DAMG)
Fernando Brandão Alves
Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP)
Francisco Ferreira
Escola de Arquitetura, Arte e Design da Universidade do Minho (EAAD)
Gabriela Vaz-Pinheiro
Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto (FBAUP)
Gonçalo Antunes
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas. Universidade Nova de Lisboa (NOVA FCSH)
Gonçalo Canto Moniz
Departamento de Arquitectura da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (DARQ)
Guya Accornero
Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-UL)
Helena Botelho
Faculdade de Arquitectura e Artes da Universidade Lusíada de Lisboa (FAAULL)
Hugo Machado Silva
Universidade Fernando Pessoa (UFP)
Isabel Martinho da Silva
Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP)
Joana Mourão
Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa (IST)
Joana Pestana Lages
Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-UL)
José António Bandeirinha
Departamento de Arquitectura da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (DARQ)
José Carlos Mota
Departamento de Ciências Sociais, Políticas e Territoriais. Universidade de Aveiro (UA)
Luís Santiago Baptista
Departamento de Arquitectura e Urbanismo da Universidade Lusófona de Lisboa (ULL)
Maria Tavares
Faculdade de Arquitectura e Artes da Universidade Lusíada Norte | Vila Nova de Famalicão (FAAULN – Famalicão)
Miguel Reimão Costa
Universidade do Algarve (UALG)
Nelson Mota
Delft University of Technology (TU-DELFT)
Paolo Marcolin
Escola Superior Artística do Porto (ESAP)
Patrícia Santos Pedrosa
Universidade da Beira Interior (UBI)
Ricardo Agarez
Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-UL)
Ricardo Vieira de Melo
Faculdade de Arquitectura e Artes da Universidade Lusíada Norte | Porto (FAAULN – Porto)
Roberto Falanga
Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-UL)
Simone Tulumello
Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-UL)
Sofia Salema
Escola das Artes da Universidade de Évora (EARTES)
Teresa Alfaiate
Instituto Superior de Agronomia – Universidade de Lisboa (ISA)
Teresa Marat-Mendes
Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-UL)
Tiago Mota Saraiva
Faculdade de Arquitectura Universidade de Lisboa (FA-UL)