Seminário #1
28 de abril de 2023 10h00-19h00,
Auditório Fernando Távora - FAUP
Entrada Livre
Língua do evento: Português
O Seminário contará com diversos contributos multidisciplinares que procurarão construir perspetivas alargadas e complexas da sociedade portuguesa contemporânea, contextualizando o lançamento do desafio Call for Ideias | abril 2074. O desafio colocado às escolas inicia-se com 7 visões* que pretendem estimular o debate em torno dos temas que urge refletir hoje na habitação e cidade para todos. Pretende-se com este desafio reunir todas as escolas em torno da reflexão, debate e proposição sobre os temas referidos, através do desenvolvimento, no ano letivo 2023-2024, de investigação e projeto em diversas Unidades Curriculares dos vários anos dos cursos.
Programa
10h00
Abertura → VER NO YOUTUBE
10h45
Painel 1 → VER NO YOUTUBE
O meu contributo para a iniciativa Mais do que Casas discute a possibilidade de utilizar o nosso conhecimento histórico dos primeiros cem anos de políticas de apoio à habitação em Portugal, e a produção de fogos correspondente, para nos preparar para enfrentar a atual crise de habitação no país. Ao examinar um ciclo de políticas que teve início na intervenção reticente do Estado e culminou na retirada deste, levando a bairros degradados e apenas parcialmente utilizados, preços elevados e o presente sentido de urgência que atinge as classes média e média-baixa, proponho uma reflexão sobre como pode a história da habitação apoiada em Portugal constituir uma chave relevante na procura de novas soluções.
O meu argumento central é que a nossa prioridade deve ser conhecer exatamente o que já se construiu (por e para quem, sob que circunstâncias e onde) para então decidir como pode este parque edificado ser posto ao serviço de estratégias de minimização do problema: através da renovação, re-funcionalização, reapropriação, simples manutenção ou, em último recurso, substituição parcial ou total. A batalha pela habitação em Portugal, proponho, só pode ser travada se todos os recursos puderem ser empregues, a começar por aquilo que já existe e pode ser (re)utilizado, e ver a sua vida útil prolongada.
Nas últimas décadas as sociedades ocidentais têm caminhado no sentido de um crescente individualismo e atomização social. Vivemos mais sós, trabalhamos remotamente, os núcleos familiares e sociais em que nos movemos são cada vez mais reduzidos e os bairros em que vivemos tornaram-se menos diversos. A maioria da população existe numa bolha restrita, pouco representativa da multiplicidade que o mundo abarca, e os outros, a sua realidade e experiências, são matéria de quase ficção.
Este empobrecimento da vida comunitária - caracterizado por uma epidemia de solidão e refletido em menos oportunidades de participação cívica local - tem consequências para o bem-estar individual. A substituição destas dimensões de florescimento individual por outras mais orientadas para o "eu" e para a procura interior nunca produzirão os resultados desejados. A nossa natureza empurra-nos para uma propensão comunitária, que é a chave para o nosso bem-estar.
Pelo que a democracia não pode nem deve ser indiferente às características da vida em comunidade (Michael Sandel), porque a sua génese é territorial (António Barreto). Será determinante para a qualidade da nossa vida coletiva e para o bem estar de cada um de nós as decisões que iremos tomar para organizar o nosso território e os nossos bairros. E também as casas que iremos construir.
Portugal está em mudança acelerada. Os dados do Censos 2021 apontam para uma população (ainda) mais urbana, mais idosa e para famílias mais pequenas. Existe agora nas principais cidades um peso mais acentuado da imigração, dos estudantes internacionais, dos trabalhadores móveis digitais e dos residentes ocasionais. A estes novos atores do território junta-se a maior pressão do turismo. Estes fatores por si só exigem soluções diferentes para os nossos bairros e casas, mais adequadas às necessidades deste país em mudança. Estes mesmos fatores, aliados a uma insuficiente oferta de habitação e a políticas demasiado tímidas de regulação do seu mercado, têm como resultado a sensação atual de ruptura social, afetando a qualidade da nossa democracia.
As ciências sociais apontam pistas relevantes sobre os caminhos para comunidades com maior capital social (Robert D. Putnam), maior mobilidade económica (Raj Chetty) e uma resiliência climática superior (Eric Klinenberg). A conciliação das tendências demográficas e das pistas das ciências sociais podem ajudar a reequilibrar os nossos territórios para uma Era do Nós: este é um dos desafios do nosso tempo. A qualidade das vossas respostas terá um impacto decisivo na nossa democracia.
Patrícia Monteiro, Bairro da Aguáda, Casa, (Desenho e Levantamento do Lugar, MADEP)
Enquanto parte significativa da paisagem construída, o espaço público é primordialmente pensado a partir da formalização das estruturas urbanas, sob a égide dos planos diretores municipais e do verbo legislador. Sendo estes pressupostos, materiais e imateriais, indispensáveis à regulação, requalificação, preservação e desenvolvimento do espaço público, pareceria indispensável integrar também a dimensão da experiência, do consenso e do dissenso, do livre arbítrio, nos modos de viver a urbanidade. Pensar o espaço público, pensar a arquitetura e o urbanismo sem pensar a geografia individual e afetiva, sem prenunciar os usos impermanentes e mais volúveis, equivale a dispensar, do tratamento do espaço público, os processos de responsabilização e sentido de pertença coletivos, abrindo um campo progressivo de desafetação individual.
A apresentação pretende debater as condições de envolvimento de práticas espaciais (arquitetónicas, urbanas e artísticas) no espaço público com os seus utilizadores. Serão apresentados exemplos de atuações de pequena e média dimensão, particularmente realizados no âmbito do Mestrado em Arte e Design para o Espaço Público (MADEP), atuações que, propondo reflexões poéticas e críticas, podem contribuir a partir da prática espacial, para processos de consciencialização de uso do espaço público, de participação, responsabilização e cidadania de que toda a requalificação urbana necessita para gerar memória coletiva.
Moderação
13h00 — 15h00
Almoço
15h00
Painel 2 → VER NO YOUTUBE
Nas últimas décadas, no Porto, o estado de abandono do centro histórico foi sendo substituído por um processo de reabilitação destinado maioritariamente ao turismo de massas. Como resultado, muito do edificado tem sido transformado em habitações de dimensão muito reduzida, adequadas a estadias de curta duração. Este processo tem suportado a economia local, trazendo encomenda de projetos à nossa classe de arquitetos.
Mas a cidade não é feita apenas do centro histórico, nem este deve ser o campo exclusivo para jogadas de investimento imobiliário. Ao longo dos anos, tenho estado envolvido em vários projetos de iniciativa pública, de âmbito local. O meu contributo para “Mais do que casas” refletiu sobre estes processos.
Estes projetos são diversos na escala, nos formatos, mas sempre cuidadosos em relação aos seus contextos. Comecei por apresentar a oficina ‘Apropriação do Bairro do Leal’, que surgiu na sequência de uma consciencialização sobre a precariedade existente nos interstícios urbanos do Porto. A obsolescência deste bairro e o seu carácter expectante foram o mote para pensar, projetar e transformar um lugar concreto, no espaço temporal de uma semana.
Casas de Trás, a minha primeira obra pública, começou por ser um projeto de habitação social, encomendado no âmbito de um programa municipal de reabilitação, mas que mais tarde viria a ser destinado a arrendamento acessível. Mesmo mantendo o caráter público, esta mudança de propósito – na qual nós, arquitetos, não fomos auscultados – demonstra que estas iniciativas não estão isentas de contradições.
Desde 2014, tenho também trabalhado continuamente no Monte Xisto, um bairro escondido na freguesia de Guifões, Matosinhos. Tal como a maioria dos lugares que não respeitam os regulamentos de edificação, e onde o desenvolvimento se deu sem o acompanhamento das autoridades responsáveis, este é um lugar facilmente desprezado, ignorado e por vezes até ridicularizado. Urbanistas e arquitetos têm dificuldade em entender a lógica deste tipo de urbanização como um modo legítimo de fazer cidade. Este projeto trouxe ampla expectativa mas, até ver, está “na gaveta”. Entretanto, na encosta oposta do bairro, realizámos o “Caminho das Escadinhas”, no âmbito do programa Bairros Saudáveis. Trata-se de um percurso pedonal entre a encosta do Monte Xisto e a margem do Rio Leça, interligando arquitetura, arte e natureza.
Estas iniciativas procuram demonstrar o papel proativo e o impacto que os arquitetos podem ter sobre o entorno que nos envolve. Será que a nossa ação pode ser uma mais-valia para os espaços urbanos mais “escondidos” e negligenciados das nossas cidades?
Vim ao Porto para passar 3 meses, há já 9 anos. Na altura, andava envolvido num processo de dignificação das condições habitacionais de uma comunidade cigana num bairro de València, em Espanha, e achava que o estudo do SAAL, no âmbito do meu doutoramento, poderia dar-me pistas. O início da estadia não foi muito promissor: nas “ilhas”, um dos lugares onde este processo teve uma presença mais relevante no Porto, ninguém sabia qual era a origem daquelas casas do Siza em São Victor, junto à Praça da Alegria. A única proprietária que encontrei interessada em fazer do seu património um pedaço de cidade útil para os mais humildes não queria ouvir falar no PREC -a ilha do pai foi assaltada e eles afastados dum processo do qual queriam fazer parte. Só encontrei o SAAL no Museu. Na comemoração do 40 aniversário do SAAL, o seu mentor, Nuno Portas, despachou a questão com um expressivo “ninguém estava preparado”.
Felizmente, o Porto deu-me muito mais do que o SAAL: deu-me contexto. A história deste processo não era diferente do de outras heresias capazes de articular os elementos para a mudança, que existem mas estão desarticulados entre si. Do Portas e do Teotónio Pereira aprendi que existe um espaço prévio à da concretização do caderno de encargos. O da sua criação e viabilização em territórios e para clientes improváveis. Esta posição prévia à definição do projeto atribui um papel diferente à arquitetura dentro da política de habitação, que assenta num pressuposto de simples bom senso: dar garantias a todos para que todos se comprometam até o fim. Este papel de “técnico mediador” dá-nos um privilégio raro: o de contaminarmo-nos, no bom sentido, da visão dos outros intervenientes -inquilinos, proprietários, técnicos municipais, decisores políticos, etc- o que nos permite explorar, em dimensões diferentes, as competências que, enquanto arquitetos, podemos mobilizar para tornar o espaço habitado e construído numa ferramenta de coesão social.
9 anos depois, estamos em condições de verificar a importância das lições retiradas dos dois Nunos. O trabalho realizado permitiu desenvolver um conjunto de procedimentos essenciais: desde os levantamentos no terreno, que não são mais do que interrogatórios aos instrumentos de política de habitação, até a elaboração de formatos como cursos e workshops que permitissem envolver os imprescindíveis estudantes e técnicos na formulação e concretização dos projetos. Tudo isto permitiu que hoje exista uma estrutura institucionalizada de apoio aos proprietários de ilhas, que lhes permite obter financiamento 100% a fundo perdido para valorizar o seu património em benefício dos inquilinos. A garantia de todo este processo é um simples desenho que permite que todos saibam com que é que se comprometem, quanto custa, e quais os ganhos -inegociáveis- em termos de coesão social e qualificação territorial. A 20 de abril de 2023, 75% do dinheiro alavancado no município do Porto, o sexto com mais financiamento arrecadado a nível nacional, estava dirigido à reabilitação de ilhas.
No melhor dos cenários, findo o financiamento atualmente disponível (até 2026) não teremos conseguido reabilitar nem 10% das ilhas existentes. A situação será ainda pior em outros territórios: apenas 66 dos 308 municípios portugueses conseguiram chegar ao financiamento ímpar disponibilizado pelo Plano de Recuperação e Resiliência. Atrás ficam tendencialmente os municípios mais pobres e os menos litoralizados. Afinal, o Portas continua a ter razão: receio que ainda não estejamos preparados. Felizmente, que as contas na próxima comemoração do 25 de abril sejam mais favoráveis, depende exclusivamente de nós e da nossa capacidade de alargar o espaço da arquitetura na política de habitação.
Moderação
17h00
Painel 3 → VER NO YOUTUBE
Fig. 1. Demolição gradual do bairro da Quinta da Serra em 2007, nos arredores de Lisboa, no quadro do programa estatal de realojamento “PER Famílias”. Fotografia de Tiago Castela.
Esta apresentação começou por questionar a ideia de uma crise na habitação em Portugal, propondo a noção de uma crise recorrente. Recordou que desde o início do século XX existem, em Portugal e noutros países do Atlântico Norte, formas de planeamento para a segregação espacial de acordo com a remuneração, assim como processos de deslocação forçada e estados de expectativa—pela legalização, ou pelo realojamento (Fig. 1). Notou ainda como todos estes processos se relacionam com a mercantilização do espaço enquanto “segundo circuito de capital”. De seguida, a apresentação realçou dois legados do passado—a propriedade e a extensão fóssil—e as implicações para o futuro do ensino da arquitectura.
Quanto ao legado da propriedade, recordou que desde os anos 30 do século passado o estado tem defendido e fomentado uma “cidadania proprietária” de famílias nucleares (Castela 2019). Este princípio terá fundamentado a tolerância das extensões “clandestinas” da cidade entre os anos 50 e 70 (Castela 2011); assim como, a partir do final dos anos 60, a criação do regime dual do Fundo do Fomento da Habitação (FFH), utilizando tanto o crédito bonificado como a renda resolúvel para realizar a cidadania proprietária. Notou como a renda resolúvel foi empregue em programas do FFH tão diversos como os Planos Integrados, o Serviço Ambulatório de Apoio Local, a Comissão para Alojamento de Refugiados, e os Contratos de Desenvolvimento para a Habitação. Entre as implicações deste legado para o ensino da arquitectura, inclui-se o treino para o “leque” da habitação (Davis 2004), ensaiando-se também projectos de habitação pública para arrendamento, de habitação para o novo cooperativismo, ou de hotéis residenciais (Groth 1994). É também necessário estarmos atentos à pluralidade de tipos de grupos em coabitação, e pensar em funções partilhadas.
Quanto ao legado da extensão fóssil, recordou que apesar do planeamento regional dos anos 60 ter imaginado uma suburbanização possibilitada por linhas de comboio electrificadas, na prática a expansão das redes de empresas privadas de autocarros suburbanos (Salgueiro 1971), com motores de combustão, possibilitou uma extensão fóssil da cidade. Simultaneamente, tal como em França (Ross 1996), o automóvel particular tornou-se uma figura central das aspirações urbanas, primeiro para subúrbios de apartamentos para as classes mais privilegiadas. Mais tarde, com a democratização, até os projectos para os bairros CAR previam o acesso futuro ao motor de combustão interna por quem tinha remunerações mais baixas. As implicações para o ensino da arquitectura hoje incluem um pensamento rigoroso sobre que habitação devemos projectar para a descarbonização. Este é um projecto que deve ser necessariamente multi-escalar.
A apresentação concluiu argumentando que, apesar destes legados materiais e discursivos do passado, podemos e devemos ambicionar um governo da habitação em Portugal que enfrente seriamente a crise recorrente e secular da habitação, com inventividade e fantasia: um governo aberto a novas formas de planeamento e de projecto amigas de uma democracia política livre, justa, e solidária.
Referências:
Castela, Tiago. 2011. A Liberal Space: A History of the Illegalized Working-Class Extensions of Lisbon. Tese de Doutoramento, Universidade da Califórnia, Berkeley.
Castela, Tiago. 2019. “Cidadania Proprietária e Emergência da Financeirização da Habitação em Portugal após 1968.” In Santos, Ana Cordeiro (ed.). A Nova Questão da Habitação: uma Abordagem de Economia Política. Lisboa: Conjuntura Actual Editora, 259-274.
Davis, Sam. 2004. Designing for the Homeless: Architecture that Works. Berkeley, CA: University of California Press.
Groth, Paul. 1994. Living Downtown: The History of Residential Hotels in the United States. Berkeley, CA: University of California Press.
Ross, Kristin. 1996. Fast Cars, Clean Bodies: Decolonization and the Reordering of French Culture. Cambridge, MA: MIT Press.
Salgueiro, Teresa. 1971. A Rede de Transportes Colectivos na Aglomeração de Lisboa. Lisboa: Centro de Estudos Geográficos.
Moderação
19h00
Encerramento → VER NO YOUTUBE
José Castro Lopes,
Vice-Reitor da Universidade do Porto
Maria Fernanda Rodrigues,
Secretária de Estado da Habitação / Ministério da Habitação
Fotografias do evento
Seminário #2
21 — 22 Setembro 2023, 9h00 – 18h30
FAUP, Porto, Portugal
Acesso gratuito
Língua do evento: Português, Inglês
O segundo seminário multidisciplinar do Programa 'Mais do que Casas' cruza um conjunto europeu de práticas da arquitetura com áreas de conhecimento diversas que contribuem para uma sociedade multicultural e de promoção da cidadania global. Os temas da habitação social, da reabilitação urbana, dos processos participativos, da investigação tipológica para os mais diversos modos de viver, da reutilização de edifícios existentes para novas funções, reutilização de materiais e técnicas construtivas locais adaptadas às condições climáticas, são exemplos das práticas que irão inspirar não só o corpo de estudantes que inicia aqui a sua investigação académica como também a todos os presentes.
Programa
21 de setembro de 2023
08h30 – 09h30
Welcome coffee
10h45 – 11h15
Coffee break
11h15 – 13h00 → VER NO YOUTUBE PARTE 01 + PARTE 02
13h00 – 14h30
Lunch break
14h30 – 16h15 → VER NO YOUTUBE
16h15 – 16h45
Coffee break
16h45 – 18h30 → VER NO YOUTUBE
22 de Setembro 2023
08h30 – 09h00
Welcome coffee
09h00 – 10h45 → VER NO YOUTUBE
10h45 – 11h15
Coffee break
11h15 – 13h00 → VER NO YOUTUBE
13h00 – 14h30
Lunch break
14h30 – 16h15 → VER NO YOUTUBE
16h15 – 16h45
Coffee break
16h45 – 18h30 → VER NO YOUTUBE
18h30 – 19h00 → VER NO YOUTUBE
Encerramento
Teresa Novais e Luís Tavares Pereira
arquitetos, curadores do programa Mais do que Casas